Atenção à saúde mental contribui para a prevenção ao suicídio

Problema de saúde pública afeta famílias, comunidades e países inteiros e tem efeitos duradouros para as pessoas, segundo a OMS

Situação crítica

O escritor, editor e fundador da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, conta como a situação de descontrole o levou a ficar internado em uma clínica e a entender a vivência com a depressão. Schwarcz lançou em março de 2021 o livro “O ar que me falta: história de uma curta infância e de uma longa depressão”.

Um dos maiores nomes da história do mercado editorial brasileiro revela como a depressão e os traumas vividos na família, como o silêncio de seu pai, que não falava de si próprio nem sobre seu passado, e a pressão de ser filho único com a missão de promover a harmonia na casa, lhe afetaram ao longo de décadas.

“Dentre as inúmeras doenças mentais aquela que é mais frequentemente associada ao suicídio é justamente a depressão”, explica o psiquiatra e ex-coordenador do Programa de Controle de Transtornos Mentais e Doenças Neurológicas da Organização Mundial da Saúde (OMS), José Manoel Bertolote.

Segundo os especialistas, a depressão e o suicídio são problemas de saúde pública que devem ser enfrentados por melhorias nos serviços de saúde mental no Brasil, com políticas públicas consistentes na área.

Dados nacionais e globais

A OMS divulgou em junho de 2021 uma orientação para reduzir a taxa de suicídio em um terço até 2030 em todo o mundo. Segundo a entidade, em 2019, mais de 700 mil pessoas morreram por suicídio, o que representa uma pessoa a cada 100 mortes. Ainda segundo a OMS, são 320 milhões de pessoas deprimidas no mundo.

No Brasil, de 2011 a 2017, foram registradas 80.352 mortes por suicídio na população a partir de dez anos de idade, das quais 27% ocorreram na faixa etária dos 15 a 29 anos, sendo 79% do sexo masculino. São 13.392 mortes do tipo por ano no país, segundo dados do Ministério da Saúde.

“A depressão é uma doença como outra qualquer que deve ser tratada”, diz o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo. “As pessoas falam assim: reaja, faça bastante força. Não existe isso. É como tirar os óculos e falar assim: enxerga, consiga ler isso aqui… ‘moço, eu tenho dez graus de miopia, eu não vou enxergar’. A depressão também é assim. Se não tratar, não adianta ninguém falar: ‘reaja, tenta’”, afirma.

“A cura da depressão não vem de uma coisa só: vem do apoio familiar, da medicação e do exercício físico”, aponta Luiz Schwarcz, que foi diagnosticado com transtorno bipolar. “Foi fundamental também eu ter feito 13 anos de análise e depois mais outros três anos de terapia/análise”, completa.

“O transtorno bipolar é caracterizado por flutuação do humor entre os dois polos: o depressivo, quando a pessoa fica muito triste, desanimada, sem vontade, pode estar associado à insônia e outros sintomas no corpo, com alterações de apetite”, explica o psiquiatra Alan Campos, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

“E alguns outros momentos o polo oposto, ou seja: excesso de energia, falta de necessidade de dormir, fica bem mesmo sem dormir, se expõe a muitos riscos, faz muitas atividades, começa a ter dificuldade de concentração”, acrescenta.

Relatos de familiares

A estudante de filosofia Marina Maximo adorava tocar violão e estudar línguas. Fluente em inglês, estava aprendendo francês e catalão. A depressão grave a levou, aos 19 anos, ao suicídio.

“Na adolescência com uns 14 a 16 anos por aí, ela ficou mais agitada e mal-humorada. O humor dela mudou, o barulho incomodava, tinha dia que ela queria ficar o dia inteiro no quarto, só saía para estudar”, diz a mãe Terezinha Maximo. “Ela passou a se cortar, a não dormir mais a chorar muito”. A família procurou um médico e veio o diagnóstico de depressão, fobia social e ansiedade.

“É a geração do quarto. Onde está fulano? No quarto. Está no celular, no computador, às vezes ele está na telinha, porque ele não consegue suportar o mundo fora. E são as pessoas que mais passam o tempo nas redes sociais, são os adolescentes deprimidos”, alerta a psiquiatra Alexandrina Meleiro.

“O que eu fiz de errado? Eu não dei o amor suficiente, todas essas questões que vêm principalmente para a mãe, que sempre é apontada como a responsável. São perguntas que a gente nunca vai ter resposta. E isso ficava martelando na minha cabeça. Fora a perda, fora a dor de tudo que um luto traz”, diz Terezinha.

Um estudo da Universidade do Kentucky, nos Estados Unidos, mostrou que aproximadamente 135 pessoas são impactadas com um único suicídio. Além disso, estima-se que 25 pessoas próximas da vítima podem tentar se matar ou ter ideias suicidas.

“Por isso precisamos atuar com a ‘pós-venção’, que é toda intervenção feita após um suicídio, ou seja, é todo um trabalho e as atividades que nós fazemos com os enlutados que comumente podem ter sentimento de culpa: ‘eu poderia ter feito alguma coisa’, ‘eu não prestei atenção’”, diz a psicóloga Karen Scavacini.

Após a perda da filha, a Terezinha Maximo passou a escrever para enfrentar o que sentia. Começou a pesquisar sobre o tema, frequentou grupos de apoio e, em novembro de 2017, oito meses após a morte da Marina, colocou no ar o site No m’oblidis, juntamente com o marido, Joseval. O nome é em referência a uma mensagem que Terezinha achou no status do WhatsApp da filha, o significado é “por favor, não me esqueça”, traduzindo do catalão.